Fraternidade e paz social
FRATERNIDADE E PAZ SOCIAL
O período litúrgico da quaresma, simultaneamente no Brasil, é acompanhado pela Campanha da Fraternidade. A Campanha da Fraternidade desse ano de 2015, assume como tema: Fraternidade: Igreja e Sociedade, e como lema: Eu vim para servir (cf. Mc 10,45). É um tempo pedagógico da fé cristã que nos educa na vivência prática da confissão que professamos. A Igreja no Brasil demonstra no atual tempo um testemunho de especial significância em relação à Doutrina Cristã Católica nas suas vertentes sistemática e social. Para a nossa fé, universalmente a quaresma é um tempo que realçamos a importância e necessidade do encontro com Deus para que possamos melhor nos integrar como seres humanos presentes na realidade terrestre.
1. QUARESMA: TEMPO DA MISERICÓRDIA DIVINA
A identificação de nossos sofrimentos e dores com a paixão de Deus na pessoa de Jesus, testemunho humano e divino carregado de angústias e lágrimas é o que nós como povo de Deus celebramos na quaresma. Nossos sofrimentos se identificam com o sofrimento de Jesus, entram em profunda sintonia, de forma que em Jesus nossas dores são acolhidas, aliviadas e curadas. Paixão de Jesus identificada na Paixão do povo. Isso é quaresma. A experiência de Deus que se dá no encontro com Ele, significa entregar ao Mestre Salvador as nossas misérias para que D´Ele recebamos o fortalecimento de sua Graça que alivia as nossas tormentas. Isto tudo que recebemos do Criador, podemos chamar de misericórdia divina. Tempo de quaresma é o chamado da Igreja a aceitarmos a oportunidade de experimentarmos a misericórdia de Deus. Tempo de quaresma é tempo de misericórdia.
Os sofrimentos existenciais de toda ordem são incomensuráveis conforme os experimentamos no processo histórico do qual fazemos parte, não deixando de considerar que muitos dos sofrimentos humanos não são somente efeitos de causas naturais, mas devem-se à ação humana acompanhada pela força do maligno. Foge da vontade do Criador que a vida na terra seja um tempo e um espaço carregado de não pouco sofrimento humano. Contudo, o Deus da Revelação, Deus no qual cremos, em nenhum momento a sua Palavra promete que sejamos isentos de sofrimentos na passageira jornada humana na terra. O que Deus nos promete é que quem com Ele caminha tem a força da Graça. Se as dores existenciais tornam-se insuportáveis do ponto de vista humano, a Graça Divina as suaviza, gera consolo, paz e esperança, de forma que o fiel mesmo existencialmente condicionado ao sofrimento, em Deus consegue ser feliz na paz de Deus. Mesmo sofrendo o fiel é feliz, a exemplo de Jesus Cristo.
Na alegria de discípulos e missionários somos todos irmãos comprometidos com a construção da paz social. O cristão antes de se comprometer com a paz social é preciso que esteja em paz consigo mesmo, mesmo enfrentando sofrimentos pessoais, é aquele que encontra na Fé a Paz do Espírito Divino. A vida do fiel é um estado pentecostal. Em Pentecostes, contexto social atribulado devido à perseguição dos seguidores de Jesus crucificado, o ressuscitado faz-se presente entre os seus discípulos e comunica-lhe a Paz do Espírito Santo. A paz esteja convosco, recebam o Espírito Santo. (cf. Jo 20, 19-22).
Na força da fé cristã, na oração, jejum e prática da caridade, que esse tempo quaresmal nos convoca a olharmos de forma atenta a nossa sociedade brasileira e servi-la. Considerando as luzes de nossa sociedade, não podemos nelas nos acomodar e desconsiderar as sombras, que causam não poucas dores a muitos irmãos vítimas de uma estrutura político-econômica decadente. A crise mais que política e econômica, trata-se de uma crise moral. A Igreja a serviço da paz propõe colaborar na busca da dignidade humana, do bem comum e da justiça social. Para tanto, propõe com insistência o empenho por uma reforma política do Estado de forma democrática com ampla participação popular.
2. IGREJA: O SONHO POR UMA NOVA SOCIEDADE
É oportuno rememorar a atuação da Igreja nos anos 60 em defesa dos povos habitantes dos países subdesenvolvidos. Na ocasião, afirmava o saudoso Papa Paulo VI como título de conclusão de sua Encíclica Populorum Progressio: O desenvolvimento é o novo nome da paz.
A referida afirmação, ainda vai de encontro com nossa realidade social brasileira. Desenvolvimento humano para conquistar a paz. É um grande ideal que deve nortear a vida de todos os homens e mulheres de boa vontade filhos do solo brasileiro. Conforme constatamos no texto base da Campanha da Fraternidade de 2015, o grande apelo presente no final de suas partes componentes, é o clamor pela reforma política do Estado.
O anseio pela reforma do Estado é uma necessidade urgente. Certamente que leva-nos a pensar da necessidade de uma reforma ampla que é para ser planejada e realizada a curto, médio e longo prazo. Podemos considerar como primeiro grande passo, como parte da reforma, o movimento“ficha limpa”, contudo, tantos outros passos precisam ser dados nas diversas infraestruturas que constituem os sustentáculos da sociedade. Como grande desafio a ser enfrentado levantado pela Campanha da Fraternidade é a grave questão da corrupção no meio público envolvido com poderosas empresas. O favorecimento mútuo da organização política com organizações econômicas, desfavorece o povo, prejudicando consequentemente a maturidade democrática. As empresas que investem somas milionárias em campanhas políticas e em políticos não têm a intenção em colaborar com a evolução da consciência democrática, o que buscam é favorecimento próprio. E isto é uma realidade da forma que são realizadas as campanhas eleitoreiras. Quem faz campanha com grande poder sugestivo, ilusório e enganador, é quem tem recurso além do normal para convencer a população, sobretudo a categoria empobrecida, não formada e informada suficientemente. Na política atual do Brasil, os pobres são massa de manobra. Na atual conjuntura, há candidatos que saindo vitoriosos no pleito, ao sumirem o poder público, tornam-se ótimos prestadores de serviço, sobretudo a quem financiou sua campanha. Com isso o povo sai perdendo. Há uma inversão muito grande no atual regime político: o povo é quem serve aqueles que deveriam servi-lo. Na atual modalidade capitalista brasileira, as empresas que investem em candidatos e partidos políticos, gozam de dedução na declaração e recolhimento de imposto de renda. Portanto, favorecer partidos e candidatos é muito vantajoso, lucrativo e enriquecedor. As empresas que assim procedem, além de serem favorecidas financeiramente, ainda possuem, nas diversas esferas do poder público, os seus cativos políticos. Assim, no Brasil, além do voto chantageado, popularmente denominado “voto de cabresto”, temos também, a “campanha de cabresto”. Isso precisa ser eliminado, se pensamos e querermos um Brasil soberano de fato, um Estado de direito democrático.
A verdadeira reforma política deve ser conquistada a longo prazo, que somente será possível se acontecer a curto e médio prazo. A reforma política permanente e duradoura somente é possível imaginar através da educação integral. Certeza temos, que a conscientização política deve ser resgatada para que alimentemos nossa esperança no Brasil com um país democrático. A Encíclica Populorum Progressio defende o desenvolvimento integral da pessoa humana. Desenvolvimento é diferente de progresso. Progresso todas as nações modernas aspiram e investem em tê-lo sempre mais, desenvolvimento nem sempre. Desenvolvimento é antes de tudo investir na vida da pessoa humana, desde sua fecundação até o seu término natural na terra. Desenvolvimento se conquista com educação de base, séria e de qualidade. A primeira sociedade, a primeira Igreja, a primeira escola é a família. Nossas primeiras autoridades, que merecem respeito e obediência em todo sentido, são os nossos pais. Desenvolvimento integral se conquista com educação integral, humana e espiritual, pois não há desenvolvimento humano integral deixando Deus de lado ou colocando-o em segundo plano. Para um verdadeiro desenvolvimento os diversos segmentos integradores da sociedade são corresponsáveis nesta grande empreitada. Desenvolvimento social é investir na vida como um todo, é sonhar que os presídios se tornem escolas e para isso não medir sacrifícios para que se concretize. É preciso sonhar com algo novo, para bem poder servi-lo.
A verdadeira paz social, reveladora da convivência fraterna dos humanos, exige determinação, coragem em investir esforços e custos financeiros em favor de uma educação total que forje a pessoa total. A meta por uma nova ordem necessita de um novo ser humano. A família e toda sociedade devem assumir o exercício de cidadania para que daí surja o fruto de uma nova geração. Poderemos assim, confiar em todos futuros eleitos públicos como pessoas honradas, servidores do povo, que colocam o seu trabalho em busca do bem comum, da dignidade humana e da justiça social. O resgate dos princípios por uma nova ordem ética na vida política foi um grande sonho da juventude do meu tempo, esse sonho foi furtado na calada de uma certa noite traiçoeira e devolvido como pesadelo. Mais, que nunca, o sonho pela ética na vida política precisa ser sonhado novamente objetivando a busca de uma pátria amada por Deus e pelos homens e mulheres de boa vontade.
A sociedade que a Igreja sonha, deve ser forjada pelo povo consciente. A Igreja sonha pela viabilidade da construção de uma realidade justa, solidária, que pulse em seu seio um coração materno, que descarte do seu convívio toda forma de violência através do constante esforço em favor da construção da paz. A Igreja, perita em humanidade, aposta na inclusão e desenvolvimento de todas as pessoas e as pessoas no seu todo. A Igreja sonha e quer compartilhar o seu sonho com todos, que nossa sociedade seja mais comunidade de fé e salvação, esteja mais próxima de um certo Reino, que não é desse mundo e nem se esgota nele, mesmo estando presente como germe na Igreja, mas com nossos esforços poderemos ser sal, fermento, luz desse Reino e fazê-lo crescer e iluminar nossa realidade histórica. A Igreja sonha com a civilização do amor.
Amados fiéis em Cristo, a caminho da Páscoa do Senhor, nossa Páscoa, participemos ativamente da quaresma e da Campanha da Fraternidade de 2015. A exemplo de Jesus, viemos para servir na condição de discípulos e missionários do seu Reino de vida e de paz. Na fé não tenhamos medo de sempre sonhar e nos orientar pelo nosso sonho comum: trabalhar com empenho na construção da civilização do amor.
Em Cristo Jesus, Paz e Esperança!
DOM SIMÃO