Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização
Vaticano divulga instrumento de trabalho para Sínodo dos Bispos
O secretário geral do Sínodo dos Bispos, cardeal Lorenzo Baldisseri, apresentou à imprensa, na quinta-feira, 26, o Instrumentum laboris (instrumento de trabalho) que norteará as atividades da 3ª Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos. Convocada pelo papa Francisco, a Assembleia será realizada de 5 a 19 de outubro de 2014, com o tema "Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização". Na ocasião, dom Lorenzo explicou que o documento, composto por mais de 45 páginas, está dividido em três partes: "Comunicar o Evangelho da família hoje", "A Pastoral da Família face aos novos desafios" e "A abertura à vida e a responsabilidade educativa".
"O instrumento de trabalho é resultado da pesquisa promovida pelo Documento Preparatório, que incluía um questionário com 39 perguntas enviado a todas as dioceses do mundo". O questionário "foi acolhido de maneira positiva e teve ampla resposta, tanto do povo de Deus quanto da opinião pública em geral", declarou o cardeal.
Temas abordados
A primeira parte do texto trata do desígnio de Deus, do conhecimento bíblico e magisterial e a sua recepção, da lei natural e da vocação da pessoa em Cristo. "O escasso conhecimento dos ensinamentos da Igreja exige dos trabalhadores pastorais mais preparação e compromisso para favorecer a compreensão por parte dos fiéis, que vivem em contextos culturais e sociais diferentes", explicou o cardeal.
Já a segunda parte aborda os desafios relacionados à família, como "casais que vivem juntos, separados, divorciados, divorciados que voltaram a se casar, seus filhos, mães adolescentes, os que estão em irregularidade canônica e os que pedem o matrimônio sem ser crentes ou praticantes". De acordo com dom Lorenzo, "compete à responsabilidade dos pastores a preparação para o matrimônio, hoje cada vez mais necessária, para que os noivos amadureçam a sua escolha como uma adesão pastoral de fé ao Senhor, para construir a família sobre bases sólidas".
Por fim, a terceira parte é dedicada a temáticas relativas à abertura à vida, as dificuldades na recepção do magistério e sugestões pastorais.
Avaliação das Conferências
O "instrumentum laboris" é entregue aos membros de direito da Assembleia Sinodal. Até a data da reunião, ele é estudado e avaliado pelas Conferências Episcopais, com a proposta de suscitar questões pastorais a serem debatidas e aprofundadas durante os trabalhos da Assembleia Extraordinária e, depois, na ordinária que está marcada para o período de 4 a 25 de outubro de 2015, no Vaticano, com o tema "Jesus Cristo revela o mistério e a vocação da família".
Dom Lorenzo observou, ainda, que o instrumento de trabalho apresenta visão da realidade familiar no contexto atual, iniciando reflexão profunda cujo desenvolvimento se realizará em duas etapas, previstas para a Assembleia Geral Extraordinária (2014) e Ordinária (2015). Segundo o cardeal, os resultados da Assembleia Extraordinária serão utilizados para a preparação do "instrumentum laboris" da Assembleia Ordinária e, após aprovação do papa Francisco, seguirá para publicação final.
Fonte: Santa Sé
:Baixe aqui o instrumento na íntegra:.
SÍNODO DOS BISPOS
________________________________________________________
III ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS
OS DESAFIOS PASTORAIS DA FAMÍLIA NO CONTEXTO DA EVANGELIZAÇÃO
INSTRUMENTUM LABORIS
Cidade do Vaticano2014
ÍNDICE
ABREVIAÇÕESAPRESENTAÇÃOPREMISSA
I PARTECOMUNICAR O EVANGELHO DA FAMÍLIA HOJE
Capítulo IO desígnio de Deus sobre matrimônio e família
A família à luz do dado bíblico (1-3)A família nos documentos da Igreja (4-7)
O conhecimento da Bíblia sobre a família (9-10)Conhecimento dos documentos do Magistério (11)A necessidade de sacerdotes e ministros preparados (12)Acolhimento diversificado do ensinamento da Igreja (13-14)Alguns motivos da dificuldade de recepção (15-16)Promover um melhor conhecimento do Magistério (17-19)
Capítulo IIIEvangelho da família e lei natural
O nexo entre Evangelho da família e lei natural (20)Problemática da lei natural hoje (21-26)Contestação prática da lei natural sobre a união entre homem e mulher (27-29)Desejável renovação da linguagem (30)
Capítulo IVA família e a vocação da pessoa em Cristo
A família, a pessoa e a sociedade (31-34)À imagem da vida trinitária (35)A Sagrada Família de Nazaré e a educação para o amor (36-38)Diferença, reciprocidade e estilo de vida familiar (39-42)Família e desenvolvimento integral (43-44)Acompanhar o novo desejo de família e as crises (45-48)Uma formação constante (49)
II PARTEA PASTORAL DA FAMÍLIA FACE AOS NOVOS DESAFIOS
Capítulo IA pastoral da família: as várias propostas em ação
Responsabilidade dos Pastores e dons carismáticos na pastoral familiar (50)A preparação para o matrimônio (51-56)Piedade popular e espiritualidade familiar (57)O apoio à espiritualidade familiar (58)O testemunho da beleza da família (59-60)
Capítulo IIOs desafios pastorais da família(61)
a) A crise da fé e a vida familiarA ação pastoral na crise de fé (62-63)
b) Situações críticas internas à famíliaDificuldades de relação / comunicação (64)Fragmentação e desagregação (65)Violência e abuso (66-67)Dependências, mass media e social networks (68-69)
c) Pressões externas à famíliaA incidência do trabalho sobre a família (70-71)O fenômeno migratório e a família (72)Pobreza e luta pela subsistência (73)Consumismo e individualismo (74)Contratestemunho na Igreja (75)
d) Algumas situações particularesO peso das expectativas sociais sobre o indivíduo (76)O impacto das guerras (77)Disparidade de culto (78)Outras situações críticas (79)
Capítulo IIIAs situações pastorais difíceis
As convivências (81-82)As uniões de facto (83-85)Separados, divorciados e divorciados recasados (86)Os filhos e quantos permanecem sozinhos (87)As mães solteiras (88)Situações de irregularidade canônica (89-92)Sobre o acesso aos sacramentos (93-95)Outros pedidos (96)Sobre os separados e os divorciados (97)Simplificação das causas matrimoniais (98-102)A atenção às situações difíceis (103-104)Não-praticantes e não-crentes que pedem o matrimônio (105-109)
B. Sobre as uniões entre pessoas do mesmo sexo
Reconhecimento civil (110-112)A avaliação das Igrejas particulares (113-115)Algumas indicações pastorais (116-119)Transmissão da fé às crianças em uniões de pessoas do mesmo sexo (120)
III PARTEA ABERTURA À VIDA E A RESPONSABILIDADE EDUCATIVA
Capítulo IOs desafios pastorais acerca da abertura à vida(121-122)
Conhecimento e recepção do Magistério sobre a abertura à vida (123-125)Algumas causas da difícil recepção (126-127)Sugestões pastorais (128)Sobre a prática sacramental (129)Promover uma mentalidade aberta à vida (130-131)
Capítulo IIA Igreja e a família diante do desafio educativo
a) O desafio educativo em geral
O desafio educativo e a família hoje (132)Transmissão da fé e iniciação cristã (133-134)Algumas dificuldades específicas (135-137)
b) A educação cristã em situações familiares difíceis (138)
Uma visão geral da situação (139-140)Os pedidos dirigidos à Igreja (141-145)As respostas das Igrejas particulares (146-150)Tempos e modos da iniciação cristã das crianças (151-152)Algumas dificuldades específicas (153)Algumas indicações pastorais (154-157)
CONCLUSÃO (158-159)
CCC Catecismo da Igreja Católica
CDF Congregação para a Doutrina da Fé
CTI Comissão Teológica Internacional
CV Caritas in Veritate Carta Encíclica de Bento XVI (29 de Junho de 2009)
DCE Deus Caritas Est Carta Encíclica de Bento XVI (25 de Dezembro de 2005)
DV Dei Verbum, Constituição dogmática sobre a divina revelação, Concílio Ecumênico Vaticano II
EG Evangelii Gaudium Exortação Apostólica de Francisco (24 de Novembro de 2013)
FC Familiaris Consortio Exortação Apostólica de João Paulo II (22 de Novembro de 1981)
GS Gaudium et Spes, Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Concílio Ecuménico Vaticano II
GE Gravissimum Educationis, Declaração sobre a educação cristã, Concílio Ecuménico Vaticano II.
HV Humanae Vitae Carta Encíclica de Paulo VI (25 de Julho de 1968)
LF Lumen Fidei Carta Encíclica de Francisco (29 de Junho de 2013)
LG Lumen Gentium, Constituição dogmática sobre a Igreja, Concílio Ecumênico Vaticano II
SC Sacramentum Caritatis Exortação Apostólica pós-sinodal de Bento XVI (22 de Fevereiro de 2007)
APRESENTAÇÃO
No dia 8 de Outubro de 2013, o Papa Francisco convocou a III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, acerca do tema: Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização. A Secretaria Geral do Sínodo deu início à preparação mediante o envio do Documento Preparatório, que suscitou uma vasta resposta eclesial por parte do povo de Deus, reunida no presente Instrumentum Laboris. Considerando a amplidão e a complexidade do tema, o Santo Padre definiu um itinerário de trabalho em duas etapas, que constitui uma unidade orgânica. Na Assembleia Geral Extraordinária de 2014, os Padres sinodais avaliarão e aprofundarão os dados, os testemunhos e as sugestões das Igrejas particulares, com a finalidade de enfrentar os novos desafios sobre a família. A Assembleia Geral Ordinária de 2015, mais representativa do episcopado, inserindo-se no precedente trabalho sinodal, meditará ulteriormente sobre as temáticas abordadas para encontrar adequadas linhas de ação pastorais.
O Instrumentum Laboris nasce das respostas ao questionário do Documento Preparatório, publicado no mês de Novembro de 2013, estruturado em oito grupos de perguntas relativas ao matrimônio e à família, e amplamente difundido. As respostas, numerosas e minuciosas, foram enviadas pelos Sínodos das Igrejas Orientais Católicas sui iuris, pelas Conferências Episcopais, pelos Dicastérios da Cúria Romana e pela União dos Superiores-Gerais. Chegaram diretamente à Secretaria Geral também respostas – chamadas observações – da parte de um número significativo de dioceses, paróquias, movimentos, grupos, associações eclesiais e realidades familiares, assim como de instituições acadêmicas, especialistas, fiéis e outras pessoas interessadas em fazer conhecer a própria reflexão.
O texto está estruturado em três partes e retoma, em conformidade com uma ordem funcional à Assembleia sinodal, as oito temáticas propostas no questionário. A primeira parte é dedicada ao Evangelho da família, entre desígnio de Deus e vocação da pessoa em Cristo, horizonte no qual se relevam o conhecimento e a recepção do dado bíblico e dos documentos do Magistério da Igreja, incluindo as dificuldades, entre as quais a compreensão da lei natural. A segunda parte aborda as várias propostas de pastoral familiar, os relativos desafios e as situações mais difíceis. A terceira parte é dedicada à abertura à vida e à responsabilidade educacional dos pais, que caracterizam o matrimônio entre o homem e a mulher, com referência particular às situações pastorais atuais.
O presente documento, fruto do trabalho colegial proveniente da consulta das Igrejas particulares que a Secretaria Geral do Sínodo recolheu e elaborou juntamente com o Conselho de Secretaria, é colocado nas mãos dos Membros da Assembleia Geral sinodal como Instrumentum Laboris. Ele oferece um panorama amplo, embora não exaustivo, da situação familiar contemporânea, dos seus desafios e das reflexões que suscita.
Os temas que não estão incluídos neste documento, alguns dos quais foram indicados pelas respostas no n. 9 (outros) do questionário, serão abordados durante a Assembleia Geral Ordinária do Sínodo de 2015.
Lorenzo Card. Baldisseri Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos
Vaticano, 24 de Junho de 2014,Solenidade da Natividade de São João Baptista.
PREMISSA
O anúncio do Evangelho da família constitui uma parte integrante da missão da Igreja, porque a revelação de Deus ilumina a realidade da relação entre o homem e a mulher, do seu amor e da fecundidade do seu relacionamento. Na época contemporânea, a difundida crise cultural, social e espiritual constitui um desafio para a evangelização da família, núcleo vital da sociedade e da comunidade eclesial. Tal anúncio põe-se em continuidade com a Assembleia sinodal sobre A nova evangelização para a transmissão da fé cristã e o Ano da fé, proclamado por Bento XVI.
A Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo acerca do tema: Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização, tendo em consideração que «a tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo» (DV 8), é chamada a meditar sobre o caminho a seguir, para comunicar a todos os homens a verdade do amor conjugal e da família, enfrentando os seus múltiplos desafios (cf. EG 66). A família constitui um recurso inesgotável e uma fonte de vida para a pastoral da Igreja; por conseguinte, a sua tarefa primária é o anúncio da beleza da vocação para o amor, grande potencial também para a sociedade. Perante esta urgência, cum et sub Petro, o episcopado põe-se em dócil escuta do Espírito Santo, ponderando sobre os desafios pastorais dos dias de hoje.
Consciente de que as dificuldades não determinam o horizonte último da vida familiar e de que as pessoas não se encontram unicamente diante de problemáticas inéditas, a Igreja constata de bom grado os impulsos, sobretudo entre os jovens, que fazem entrever uma nova primavera para a família. A este propósito, podem-se encontrar testemunhos significativos nos numerosos congressos eclesiais, onde se manifesta claramente, sobretudo nas novas gerações, um renovado desejo de família. Diante de tal aspiração, a Igreja é solicitada a oferecer assistência e acompanhamento, a todos os seus níveis, em fidelidade ao mandato do Senhor de anunciar a beleza do amor familiar. Nos seus encontros com as famílias, o Sumo Pontífice encoraja sempre a olhar com esperança para o próprio futuro, recomendando estes estilos de vida através dos quais se conserva e se faz prosperar o amor em família: pedir licença, agradecer e pedir perdão, sem jamais deixar que o sol se ponha sobre uma desavença ou uma incompreensão, sem ter a humildade de pedir desculpa um ao outro.
Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco reiterou: «Deus nunca se cansa de nos perdoar; nunca! [...] nós, às vezes, cansamo-nos de pedir perdão» (Angelus, 17 de Março de 2013). Esta ênfase sobre a misericórdia suscitou um impacto relevante também sobre as questões relativas ao matrimônio e à família enquanto, longe de qualquer moralismo, confirma e descera horizontes na vida cristã, independentemente dos limites que pudemos experimentar e dos pecados que tivermos cometido. A misericórdia de Deus abre à conversão contínua e ao renascimento permanente.
I PARTECOMUNICAR O EVANGELHO DA FAMÍLIA HOJE
Capítulo IO desígnio de Deus sobre matrimônio e família
A família à luz do dado bíblico
1. O livro do Gênesis apresenta o homem e a mulher criados à imagem e semelhança de Deus; no acolhimento recíproco, eles reconhecem-se feitos um para o outro (cf. Gn 1, 24-31; 2, 4b-25). Através da procriação, o homem e a mulher são tornados colaboradores de Deus no acolhimento e transmissão da vida: «Transmitindo aos seus descendentes a vida humana, o homem e a mulher, como esposos e pais, cooperam de modo único na obra do Criador» (CCC 372). Além disso, a sua responsabilidade alarga-se à preservação da criação e ao crescimento da família humana. Na tradição bíblica, a perspectiva da beleza do amor humano, espelho do divino, desenvolve-se sobretudo no Cântico dos Cânticos e nos profetas.
2. O anúncio da Igreja sobre a família encontra o seu fundamento na pregação e na vida de Jesus, o qual viveu e cresceu na família de Nazaré, participou nas bodas de Caná, das quais enriqueceu a festa com o primeiro dos seus «sinais» (cf. Jo 2, 1-11), apresentando-se como o esposo que une a si a Esposa (cf. Jo 3, 29). Na cruz, entregou-se com amor até ao fim, e no seu corpo ressuscitado estabeleceu novas relações entre os homens. Revelando plenamente a misericórdia divina, Jesus concede que o homem e a mulher recuperem aquele «princípio» segundo o qual Deus os uniu numa só carne (cf. Mt 19, 4-6), mediante o qual - com a graça de Cristo - eles são tornados capazes de se amarem para sempre e com fidelidade. Portanto, a medida divina do amor conjugal, à qual os cônjuges estão chamados por graça, tem a sua nascente na «beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado» (EG 36), coração do Evangelho.
3. Jesus, ao assumir o amor humano, também o aperfeiçoou (cf. GS 49), entregando ao homem e à mulher um modo novo de se amar, que tem o seu fundamento na fidelidade irrevogável de Deus. Sob esta luz, a Carta aos Efésios indicou no amor nupcial entre o homem e a mulher «o grande mistério» que torna presente no mundo o amor entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5, 31-32). Eles possuem o carisma (cf. 1 Cor 7, 7) de edificar a Igreja, com o seu amor esponsal e com a tarefa da geração e educação dos filhos. Ligados por um vínculo sacramental indissolúvel, os esposos vivem a beleza do amor, da paternidade, da maternidade e da dignidade de participar deste modo na obra criadora de Deus.
A família nos documentos da Igreja
4. Com o decorrer dos séculos, a Igreja não deixou faltar o seu constante ensinamento sobre matrimônio e família. Uma das expressões mais altas deste Magistério foi proposta pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, na Constituição pastoral Gaudium et Spes que dedica um capítulo inteiro à promoção da dignidade do matrimónio e da família (cf. GS 47-52). Ele definiu o matrimónio como comunidade de vida e de amor (cf. GS 48), colocando o amor no centro da família, mostrando, ao mesmo tempo, a verdade deste amor face às diversas formas de reducionismo presentes na cultura contemporânea. O «verdadeiro amor entre marido e esposa» (GS 49) implica a doação recíproca de si, inclui e integra a dimensão sexual e a afetividade, correspondendo ao desígnio divino (cf. GS 48-49). Além disso, a Gaudium et Spes no número 48 frisa a radicação dos esposos em Cristo: Cristo Senhor «vem ao encontro dos cônjuges cristãos no sacramento do matrimônio», e com eles permanece. Na encarnação, Ele assume o amor humano, purifica-o, leva-o à plenitude, e doa aos esposos, com o seu Espírito, a capacidade de o viver, permeando toda a sua vida de fé, esperança e caridade. Deste modo os esposos são como que consagrados e, mediante uma graça própria, edificam o Corpo de Cristo e constituem uma Igreja doméstica (cf. LG 11), de modo que a Igreja, para compreender plenamente o seu mistério, olha para a família cristã, que o manifesta de modo genuíno.
5. Em continuidade com o Concílio Vaticano II, o Magistério pontifício aprofundou a doutrina sobre o matrimônio e sobre a família. Em particular Paulo VI, com a Encíclica Humanae Vitae, evidenciou o vínculo íntimo entre amor conjugal e geração da vida. São João Paulo II dedicou à família uma atenção especial através das suas catequeses sobre o amor humano, da Carta às famílias (Gratissimam Sane) e sobretudo com a Exortação Apostólica Familiaris Consortio. Nestes documentos, o Pontífice definiu a família «caminho da Igreja»; ofereceu uma visão de conjunto sobre a vocação do homem e da mulher para o amor; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da família e para a presença da família na sociedade. Em particular, ao tratar a caridade conjugal (cf.FC 13), descreveu o modo como os cônjuges, no seu amor recíproco, recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem a sua chamada à santidade.
6. Bento XVI, na Encíclica Deus Caritas Est, retomou o tema da verdade do amor entre homem e mulher, que só se ilumina plenamente à luz do amor de Cristo crucificado (cf. DCE 2). Ele reafirma como: «O matrimônio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano» (DCE 11). Além disso, na Encíclica Caritas in Veritate, ele evidencia a importância do amor como princípio de vida na sociedade (cf. CV 44), lugar no qual se aprende a experiência do bem comum.
7. O Papa Francisco, na Encíclica Lumen Fidei, ao tratar o vínculo entre a família e a fé, escreve: «o encontro com Cristo, o deixar-se conquistar e guiar pelo seu amor alarga o horizonte da existência, dá-lhe uma esperança firme que não desilude. A fé não é um refúgio para gente sem coragem, mas a dilatação da vida: faz descobrir uma grande chamada – a vocação ao amor – e assegura que este amor é fiável, que vale a pena entregar-se a ele, porque o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que toda a nossa fragilidade» (LF 53).
Capítulo IIConhecimento e recepção da Sagrada Escriturae dos documentos da Igreja sobre matrimônio e família
8. A nossa época eclesial caracteriza-se por uma ampla redescoberta da Palavra de Deus na vida da Igreja. A retomada da Sagrada Escritura, em âmbito eclesial, marcou, de maneira diferencia