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30 Out, 2019

LEMBRA-TE DE QUE ÉS MORTAL

LEMBRA-TE DE QUE ÉS MORTAL

LEMBRA-TE DE QUE ÉS MORTAL

Queridos amigos, na semana em que celebramos o dia de Finados, proponho pensarmos um pouco sobre o sentido cristão da morte e da oração pelos falecidos. Um dia a morte nos visitará e, por isso, vale refletir como estamos nos preparando para este encontro.

Em diversos países, a celebração dos fiéis defuntos constitui um feriado civil, no qual as pessoas vão aos cemitérios com flores e velas homenagear seus mortos ou rezar por eles. Sendo este gesto realizado por motivações religiosas ou não, vale ressaltar que a memória dos falecidos é um ponto de convergência para todos. Além disso, trata-se de uma ocasião privilegiada para pensar no sentido da existência.

A antiga expressão latina “memento mori”, por mais trágica que possa parecer, nos apresenta um fato do qual não se pode fugir: “Lembra-te de que és mortal”. Nossa sociedade busca camuflar a morte a todo custo, recusando o olhar crítico sobre realidades como a doença, o sofrimento, o luto e a lembrança dos defuntos. No entanto, ela é o destino para o qual todos caminham e cujo realismo não se pode deixar de pensar ou, até mesmo, temer. Para os grandes sistemas de pensamento, o fim da existência terrena sempre constituiu objeto de reflexão.

O morrer é mais que um evento biológico, pois possui implicações sociais, espirituais e antropológicas. Essas diversas linhas de compreensão podem ser constatadas ao longo de toda a história humana. As evidências pré-históricas de costumes funerários e tributo aos mortos apontam que, desde as origens da humanidade, a morte se levanta como um problema questionador e insolúvel. Para as sociedades antigas, a morte foi explicada a partir da mitologia e ressignificada em seus aspectos pessoais e coletivos por meio da criação de sistemas fúnebres. Nas culturas egípcia e grega, por exemplo, surgiram diversos mitos sobre a imortalidade, o julgamento além-túmulo e o mundo dos mortos, que determinaram comportamentos sociais e crenças religiosas.

É importante destacar que, desde a Idade Antiga, os mortos eram separados dos vivos e os cemitérios costumavam ficar fora das cidades ou às margens das estradas. As cerimônias fúnebres consistiam num ato público e cumpriam a função de afastar os mortos, uma vez que, abertos os caminhos do além para o falecido, acreditava-se evitar seu reaparecimento aos vivos como espíritos ou almas penadas. Honrados pela cerimônia pública de despedida e sepultados de modo digno, os finados não deveriam mais despertar de seu "sono", nem violar a paz dos vivos. Estava levantada a barreira entre o mundo material e o além-túmulo.

O advento do cristianismo inaugurou uma fase de familiaridade com os defuntos, impulsionada pela doutrina da ressurreição dos corpos e pelo culto litúrgico aos mártires. As cidades, até então interditas às sepulturas, abriram suas portas aos falecidos e deu-se início ao sepultamento em igrejas e cemitérios eclesiásticos. Esta transformação social foi acompanhada de uma nova mentalidade em relação à morte, voltada para a esperança na vida eterna e a comunhão dos santos. Vivos e mortos passaram a coabitar por detrás dos mesmos muros, longe dos antigos tabus pagãos.

Infelizmente, para a modernidade, a morte já não é mais um fenômeno natural e criador de sentido, mas sinal de impotência e fracasso. Com isso, ela perdeu seu caráter social e passou a ser medicalizada e ocultada, a fim de que pareça que “nada mudou”. Deve-se fazer, aqui, um questionamento fundamental: a morte foi expulsa por ser um momento trágico e desolador ou por nos mostrar que, independente de nossas posses ou talentos, haveremos de morrer?

Se a escuridão de um túmulo parece sintetizar o enigma da condição humana, persiste no coração do homem uma inquietude que se nega a reduzir tudo à matéria.

 

Diácono Danilo Cordeiro - Diocese de Marília

 

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